E a Saúde, como estará pós Covid-19?
13/05/2020
*Thiago Bonini
São aproximadamente R$ 600 bilhões gastos por ano em produtos e serviços de saúde no Brasil. Parece muito dinheiro e, claro, é. Mas é pouco, pelo tamanho do desafio de garantir atendimento universal para 210 milhões de pessoas. Especificamente, o Sistema Único de Saúde (SUS) consome menos do que os planos e seguradoras, sendo que atende a 3 vezes mais, em número de pessoas.
É natural pensar que haverá mais investimentos em saúde, pois a pandemia colocou holofote nas fragilidades do sistema. Mas será que a saúde, seja pública ou suplementar, terá de fato mais recursos?
Mais de 80% dos planos de saúde são financiados pelas empresas. Com a recessão, pessoas estão perdendo seus empregos, infelizmente. Menos empregos significa menos pessoas com planos empresariais. E poucos conseguirão arcar com um substituto, até pela dificuldade de se contratar planos individuais no Brasil. Ou seja, a saúde suplementar deve perder usuários e receita.
E o SUS, como ficará? O sistema é financiado pelo orçamento do Poder Público, tendo uma parte da arrecadação destinada a ele. A recessão reduz receita das empresas e pessoas, o que resulta em menor volume de impostos. O SUS, com mais pessoas para atender (lembra das pessoas que perderam seus planos de saúde ao ficarem desempregadas?), terá que resistir com menos recursos.
O sistema de saúde já se mostrava insustentável. Incentivos errados, prevalência de “pagamento por procedimento”, ingerência política na saúde pública, falta de atenção primária e gestão populacional na saúde suplementar, modelo hospitalocêntrico, etc. Gasta-se muito, diante dos resultados. Agora, com a pressão causada pela Covid-19, resolver esse problema é questão de sobrevivência.
A boa notícia: a crise estimula mudanças. E a tecnologia trazida pelas startups pode ser o outro catalisador necessário para algumas evoluções positivas:
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Telemedicina – a pandemia acelerou sua recente liberação, ainda que dentro de certas condições. Já se diz que é questão de tempo para virar realidade permanente. Além de otimizar e agilizar a atuação médica em geral, o atendimento à distância permite acessar os muitos lugares remotos e sub atendidos do Brasil. Algumas startups: Conexa, VivaBem, Care, Dr. Kids e Docway.
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Saúde Baseada em Valor (VBHC) – a equação leva em conta qualidade, desfecho e pertinência dos procedimentos de saúde, ponderados pelo custo que impõem. O objetivo é ampliar a entrega de valor para os pacientes, conter a escalada de custos (o custo de planos de saúde aumentou a uma taxa de 3 vezes inflação nos últimos anos) e oferecer mais conveniência e serviços aos usuários. Na era digital, o uso de dados é capaz de acelerar muito, por exemplo, a adoção de modelos de remuneração centrados no desfecho clínico para os pacientes. Algumas startups: 3778, Semantix, Alice e Samy.
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Saúde populacional – substitui o tratamento das doenças pela manutenção contínua da saúde. Atenção primária, longitudinalidade e controle de pacientes com doenças crônicas (os mais gravemente afetados pela Covid-19, diga-se) são alguns dos pilares que podem ser adotados. Algumas startups: Klivo, Cuidas, Genial Care, EPHealth e Appia.
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Integração da capacidade de atendimento do setor privado com a demanda da população – hospitais privados possuem capacidade ociosa e, com as receitas reduzidas pela pandemia, atender a pacientes que não possuem plano de saúde seria algo positivo para todos. Menos filas no SUS, mais receitas para os hospitais e mais atendimento para as pessoas. Já existem muitos formatos para pagar essa conta, desde parcerias público-privadas ou fornecendo linhas de crédito privado. Startup: na Vidia, formamos um time multidisciplinar para criar a plataforma de acesso a procedimentos cirúrgicos para quem não possui plano de saúde.
O momento ainda é de incerteza. Mesmo depois que passar, o vírus terá deixado rastros marcantes. Porém, talvez o lado cheio desse copo seja exatamente a aceleração dessas tendências positivas no setor de saúde. Mesmo que o sistema perca recursos, está claro que é possível entregar mais com menos. A seguinte frase nunca foi tão verdadeira: não basta tratar a doença, temos que cuidar da Saúde.
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THIAGO BONINI – Co-fundador & CEO da Vidia, marketplace digital para compra de cirurgias diretamente dos hospitais, para pessoas que não possuem plano de saúde. Anteriormente, foi sócio-fundador da Yellow Ventures, executivo na Naspers e advogado no Pinheiro Neto Advogados. Bacharel em direito pela PUC/SP, extensão em administração (CEAG FGV/SP) e dois mestrados internacionais, em direito na LSE/Londres e em administração (MSx) na Stanford University.
Fonte: Jota.info